Brisa

Ana Cláudia Almeida, Elvis Almeida, Flora Rebollo, Guilherme Ginane, Marcelo Pacheco, Matheus Chiaratti,
Thomaz Rosa e Yasmin Guimarães

curadoria Julie Dumont

São Paulo, 5 de junho de 2021 – 2 de julho de 2021

 

Ventos do Norte, do Sul, do Leste e do Oeste, ventos frios e violentos, criadores de tempestades, ventos suaves ou ventos quentes e úmidos formadores de nuvens. Tempestades, rajadas, borrascas, ventanias ou brisas; ventos de inúmeros nomes e intensidades; ventos constantes ou periódicos, ventos polares do leste, ventos do oeste ou alísios tropicais. Ventos que atravessam os corpos, ventos que acariciam a pele, ventos que sobem os morros, descem os vales, erodem as rochas e beijam a espuma das ondas. Ventos que carregam a poeira dos desertos e as sementes dos jardins; ventos que espalham chamas, queimam e destroem. Ventos que percorrem as esquinas das ruas da cidade e turbilhonam embaixo das suas pontes, fazendo dançar pedaços das nossas vidas estilhaçadas.

Dos ventos guardo a memória de uma brisa refrescando e arrepiando a minha pele salgada no sol quente de verão: um arrepio como manifesto sensorial de uma conexão com o mundo sútil, que concretiza no epiderme o inexplicável, o frisson da viagem que a natureza e a arte propiciam, a embriaguez de uma certa selvageria, o barato da vida.

Essa é a coletiva Brisa, uma proposta da galeria carioca Quadra para sua primeira exposição em São Paulo. Um sopro dos ventos do Rio, um deslocamento subjetivo, um escape pictórico em forma de aba despretensiosa e intuitiva, afago no cotidiano bruto, oxigênio.

A intuição e a experimentação que guiam a linha curatorial da galeria Quadra também reúnem os artistas da exposição. As paisagens em movimento de Ana Almeida trazem topografias densas que misturam as cores turvas da natureza, às saturadas de uma urbanidade tóxica, em suportes que revelam um pensamento livre do quadro tradicional. Conversando e se contrapondo à pauta e à materialidade de Ana Almeida estão as pinceladas leves, de cores pastel de Yasmin Guimarães que surgem da periferia da tela para sugerir cenários etéreos e pontuações como arranjos musicais. Flora Rebollo, por sua vez, propõe obras saídas de um sonho cósmico e cuja fluidez em sua execução borra as fronteiras entre os processos do desenho, da pintura e da instalação. A mitologia pessoal desenvolvida nas pinturas da artista dialoga ainda com a qualidade quase meditativa da pintura de Elvis Almeida, na qual a repetição de símbolos e padrões até a exaustão parece buscar o esgotamento do gesto e ultrapassar as referências da História da Arte e de subculturas para encontrar o equilíbrio na imperfeição da mão. A recorrência de figuras e motivos arquetípicos parece criar pontes no tempo, aproximando a produção do carioca à obras de artistas de civilizações maias, egípcias, indianas ou aborígenes, de modernos como Lorenzato, bem como de artistas contemporâneos como Yayoi Kusama ou o americano Forrest Bess. Invocando o próprio Bess, as texturas e as cores das pin- turas instintivas de Matheus Chiaratti mergulham ainda no campo da intuição, da sensualidade, da natureza e de conceitos Junguianos como o inconsciente coletivo em uma composição aparentemente simples e ligeira (aqui até os dedos são usados como pincéis) espelhando universos íntimos e sagrados.

De forma similar, Guilherme Ginane transpõe a tela uma viagem psíquica em pinturas vigorosas nas quais a composição cromática e o movimento superam o embate tradicional entre figura e fundo, divisões entre pintura paulista, carioca ou euro- peia e abarcam a história da arte em uma conversa aberta. Convergindo com esta discussão, Thomaz Rosa e Marcelo Pacheco apresentam, finalmente, um recorte das in!luências que guiam e contaminam as suas pesquisas, tais como a arte moderna,
a poesia concreta, o pop art, o minimalismo, a música e o prosaico no caso dos mul- tiversos do primeiro; e a arte erudita, a arte popular e o cotidiano para o segundo. Nas obras dos artistas, as referências se misturam sem hierarquias, criando um lugar onde a pintura cumpre o papel de mediação na busca de um acaso desprendido.

Juntando os universos e as entropias de 8 artistas de Rio de Janeiro e de São Paulo e acompanhando a vinda da galeria Quadra para sua primeira temporada na terra da garoa, Brisa propõe uma imersão que abraça subjetividade e coletivo; passado, presente e uma certa ideia de futuro, com o retrato parcial e afetivo de uma nova geração de pintores, misturando, de forma leve e solta, composições, paletas e pin- celadas em um barato chamado vida.

Julie Dumont

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