Ervas Daninhas

Hiram Latorre, Loren Minzú, Manuella Silveira, Marina Nacamuli, Martin Lanezan, Matheus Chiaratti e Sheyla Ayo

curadoria Julie Dumont

Rio de Janeiro, 07 de março de 2024 – 16 de maio de 2024

 

Início de Março, Rio de Janeiro esturrica sob o sol escaldante. O verão se estica e nas avenidas ainda ecoam o som das marchinhas e das batucadas: glitter e confetes brilham nas frestas da calçada. O sangue pulsa quente entre corpos suados e copos vazios, asfalto e morro, areia e floresta, cachoeiras e banhos de plantas. Ervas daninhas, depois de um primeiro capítulo em São Paulo, segue a sua dança pagã para atracar aqui, emendando a febre de fevereiro com mais vida, a arte, embriaguez, e vertigem. Pois a arte propicia – assim como o carnaval – um momento acima e para fora do tempo, uma Saturnália, devaneio e jubileu.

Emblemas da cultura carnavalesca de máscaras, os bate-bolas retratados por Marina Nacamuli carregam uma tradição que gera espanto e deslumbre com o estrondo das suas bolas batendo no chão e as suas fantasias assustadoras. Os bate-bolas levantam símbolos que pertencem ao inconsciente coletivo e estabelecem uma ponte irreverente entre passado e presente, rituais do Norte e do Sul. Arte e vida colidem aqui, abrindo um portal para mergulhar em um ano novo com a cabeça leve, sem tormentos.

Essa alegria caótica, de ironia e símbolos entrelaçados, está no cerne das pinturas de Manuella Silveira. Corpos fantasmagóricos, alegóricos e elementos que parecem emprestados do universo circense ou da cultura popular se repetem em sarabandas intuitivas feitas de camadas e remoções de tinta, a criar campos de matéria saturada. A fuga do real, que a arte e a poesia propiciam, brotando e jorrando como alucinações de um lugar onde a razão não tem voz, remetem ao gozo, ao desejo incontrolável das almas e dos corpos que Matheus Chiaratti incorpora na sua instalação Casa do Leonilson. Nela, desenhos e versos flutuam, como tantas cartas de amor que nunca chegarão ao seu destinatário, banhadas de águas celestes e do prazer, queimadas de tesão e fogo, como o diário choroso de um amante transtornado.

Dialogando com a ânsia e a ausência que permeiam a Casa do Leonilson, Hiram Latorre revela na sua pintura Onde percebo tudo que eu mais amo a encenação da espera amorosa: uma mesa posta, um jarro e copos que aguardam um brinde; flores vermelhas se erguem e despejam águas de um desejo.

Por fim, voltadas para a pulsão primordial da natureza, as obras de Loren Minzú, Martin Lanezan e Sheyla Ayo evocam a selvageria, a sabedoria da coruja e da cobra, a ancestralidade e o preparo das poções de ervas que curam e aniquilam; o poder da sombra refletindo a luz, a dança dos movimentos do cosmos espelhados no campo terráqueo.

Assim, a subida da seiva das plantas se alinha com os astros celestes, ecoando os batimentos dos corações e a energia que pulsa nas veias dos transeuntes. Serpenteiam nas ruas da cidade, entre viadutos e arranha-céus de carniça, ondas e dunas, encontros fugazes e trocas eternas. A vida e a arte vibram nos versos dos poetas: de Roberto Piva e Antonin Artaud, se espreguiçando no fundo dos copos vazios e nos lençóis amassados dos amantes.

Entre submundos e gozo; jogo, festa e baile de máscaras, loucura, natureza e liberdade, os artistas reunidos em Ervas Daninhas falam do sangue, do erótico, das emoções e da dança. Eles fomentam insurreições e nos guiam nas vielas escuras da Babilônia, nas avenidas cobertas de glitter, confetes e garrafas vazias, ou nas trilhas lamacentas da floresta. Exaltam o dionisíaco, a desordem do real, o poder disruptivo e transgressor da arte sem a qual sufocamos, a liberdade de onde brota e propicia novos ares. Como cipós e ervas daninhas que crescem, sinuosos, e se infiltram na superfície lisa das convenções, a colocar em movimento águas paradas da vida burguesa, a romper o duro pavimento das nossas calçadas.

Julie Dumont

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