de viés
Claudio Cretti, Marcelo Pacheco e Thomaz Rosa
curadoria Daniela Avellar
São Paulo, 12 de setembro de 2024 – 18 de outubro de 2024
Um olhar atento durante a caminhada oferece as pistas – presentes, objetos, imagens, matéria, pedaços. Caberá às mãos, ao movimento e ao pensamento dar contorno às formas outrora imaginadas, ainda que de modo inconsciente.
“de viés” é uma exposição mais do que coletiva, na medida em que se faz tríade – junção de três entidades, ou acorde de três sons. O segundo sentido não parece inusitado, uma vez que para esse diálogo existir, e o seu desenho no espaço acontecer, se faz necessária alguma precisão rítmica, aquela da qual a expografia não deverá escapar. O diálogo entre os trabalhos de Claudio Cretti, Marcelo Pacheco e Thomaz Rosa gera linhas transversais, elas se encontram e se afastam, traçando vetores que perpassam noções de procedimento, gesto, memória, cotidiano.
Contudo, toda conversa se dá de modo sinuoso. Qualquer diálogo pressupõe ruídos, tropeços e tentativas, de modo que a linguagem não aparece, nunca aparece, de modo reto e unidirecional. Oblíquas são as setas e as linhas que se pulverizam, mas são justamente elas que brilham e fazem do encontro uma possibilidade de reluzir. Uma coluna sustenta parte da estrutura deste espaço, já na entrada. Nela condensam-se possibilidades a partir do agrupamento entre os três artistas. São explícitas as irregularidades nas formas e nas composições, como se de início os trabalhos já indicassem uma vontade de quebrar certa ortogonalidade.
A expressão que dá título a esta mostra já abre, de imediato, a cartografia dos vetores mencionados. No entanto, “viés” também é tira de pano recortado do tecido. As linhas oblíquas podem ser fragmentárias, tais como as matérias-primas aqui encontradas. Há uma certa presença de anotação cotidiana nesta seleção de trabalhos, ainda que isso apareça de distintas formas. Claudio Cretti parte de uma pesquisa intensiva de materiais, que podem ser mais gerais ou mais vernaculares, criando com eles novas composições que dão vida a improváveis objetos margeando a figuração e a abstração. Marcelo Pacheco gera reconfigurações a partir de elementos encontrados em seus habitats ordinários, se valendo de procedimentos da pintura e da identificação de possíveis padrões. Nos trabalhos de Thomaz Rosa encontramos uma série de coisas que parecem se incrustar na pintura ou nas composições formais, expondo uma certa vontade do trabalho em ser auto-referente, em expor o seu próprio procedimento, bem como vazar os seus limites.
Nesta exposição encontramos elementos desde a madeira, a tinta, o metal e o barbante, ao colar de contas, as bolinhas de pingue-pongue, os pregos e as argolas, para dar alguns exemplos. São meios abstratos que estão nos informando algo de inaudito dentre esse ordinário. Há uma ausência de figura demarcada, talvez porque as coisas do mundo cotidiano existam a despeito de nós, mas o tempo todo estamos compondo com elas, não de modo a domá-las, mas de organizar caminhos e destinos junto à matéria. O material cotidiano é, afinal, o próprio tecido da memória, que nunca é meramente volátil ou plenamente deliberada. É como se os trabalhos desejassem, em alguma medida, o geométrico, o duro, mas algo se deixa vacilar, tornar informe. A superfície dessas coisas todas que estão inscritas na banalidade, que são encontradas nos trajetos, são por demais flexíveis, por demais porosas, moles e sensoriais.
A caminhada oferece pistas a todo momento, sabemos. E durante este percurso é necessário imaginar. É preciso, sobretudo, dissolver certo enredamento entre a imaginação e o entendimento. A caminhada tem armadilhas. No caso da exposição, vemos obras no espaço. Observamos, diante de alguma desorganização, a formação de padrões através dos procedimentos que se encontram. No caso, eles são mais tendências que se avizinham em uma improvisação que, apesar de provisória, é contundente.
Quando tudo tende à compreensão, quando toda forma se projeta enquanto inscrita em determinada narrativa, é importante deixar a imaginação margear o ir e vir das marés, seguir uma direção de pensamento que não termine na elucidação, de forma a recuperar um sensível que se deixe afetar pelos presentes, objetos, imagens, matéria, pedaços – aquilo que, de viés, dá contorno a esta exposição.
Daniela Avellar