Da lua à teta

Débora Bolszoni e Manuela Costa Lima 

curadoria Paula Borghi

Rio de Janeiro, 29 de junho – 18 de agosto de 2023

Gaia – segundo os gregos – e Telo – segundo os romanos -, independentemente da palavra, o significado é o mesmo: Terra. Talvez porque é nela, na terra, que a humanidade finca seus pés, planta seus alimentos e constrói suas casas. E, por mais que seu nome e sua percepção física tenham mudado no decorrer dos séculos, fato é que ela é redonda. De modo que a vida terrestre se ancora sobre uma esfera gigantesca que gira em torno do Sol. Por exemplo, ao olhar para o céu num dia de eclipse lunar, é possível ver a olho nu, durante um curto intervalo de tempo, a sombra da Terra sobre a lua. Trata-se de um fenômeno astronômico que ocorre quando a Lua, a Terra e o Sol estão alinhados, capaz de revelar em imagem a volúpia da forma redonda deste mundo. Forma esta que também dá corpo aos oito planetas do Sistema Solar, que, numa dança giratória, orquestra o equilíbrio da vida terrestre e extraterrestre, desenhando no espaço sideral inúmeras linhas energéticas que pulsam para o infinito.

É na amplitude desta metáfora que se inscrevem as imagens aqui presentes. Por uma visão que vai do macro ao micro, Da lua à teta nos convida a darmos os primeiros passos a seu encontro, como quem viaja pelos astros em busca de compreender os enigmas dos planos e das dimensões que constituem o mistério da vida. Marcada pela presença de trabalhos redondos ou arredondados, sempre conectados por fios (sejam estes de cobre envoltos por borracha, desenhados com pigmento ou bordados com linha de algodão), não há dúvida de que Débora Bolzsoni e Manu Costa Lima orbitam o mesmo universo. Um universo próprio das artistas que leem o mundo por meio da percepção dos planos físicos e mentais.

É pela repetição dos ângulos circunferenciais em contraste com a diversidade das materialidades, por vezes em combinação com palavras, que ambas criam trabalhos que remetem à imagem de corpos celestes e da teta. Consciente do impacto gravitacional deste satélite natural e redondo, que reflete com magnitude a luz do Sol e influencia sobretudo os ciclos menstruais, as marés, as plantações e as reproduções como um todo, a lua orbita também a exposição.

A lua e sua relação com a organização social do trabalho é algo eminente na obra de Débora Bolzsoni. Não à toa, a artista serve na abertura da exposição uma sopa fria que remete a cor e a textura dos ciclos menstruais. O alimento é servido dentro de uma espécie de lua/cuia com o seguinte dizer: Occasionally these people stop and drink the broth that they carry / De tempos em tempos es- tas pessoas param e bebem o caldo que elas carregam. Enquanto isso, a metáfora do leite materno, fonte de energia vital que habita as tetas, se faz presente nas obras tridimensionais de Manu Costa Lima. São trabalhos realizados em concomitância à amamentação da filha da artista. Nota-se nos trabalhos delas uma preocupação com o material e o espiritual, através da presença dos fluxos energéticos próprios desta alusão ao Sistema Solar ou da energia presente tanto nos alimentos como nos objetos que constituem as obras, tal como feltro, lâmpada e fio de cobre. A energia enquanto simbolismo da espiritualidade.

Assim, os trabalhos aqui presentes não vêm ao mundo para agenciar modos de “pensar” ou “expressar”, mas sim de “perceber”. O interesse no corpo se dá por meio de objetos funcionais e simétricos, num procedimento que lida com o serialismo de materiais pré-fabricados (cabos de energia, lâmpadas, tecidos, tampos de ferro e cuias de alumínio) ao encontro de uma forma mítica (que vai da lua à teta). O que se tem, é uma exposição com imagens que flertam com o Minimalismo, mas que ao mesmo tempo são capazes de jorrar leite e óvulos. Em outras palavras, é nítida a inspiração das artistas com este período da História da Arte, mas também é evidente o confronto delas com a presença majoritariamente patriarcal que se ali se instaurou.

Cabe também mencionar que estes trabalhos dão sequência ao rompimento com as categorias institucionais da arte, bem como da arte enquanto meio para o fluxo de produção de commodities. Combinando a linguagem do ready-made com a da manufatura num mesmo processo artístico, os trabalhos não se delimitam a um comentário sobre a modernidade e seus meios de produção, mas sim buscam provocar um retorno às tecnologias próprias do espaço doméstico, como cozinhar e bordar. Tratam-se de tecnologias historicamente socializadas pelo gênero feminino, por mais que sejam desempenhadas por ambos os gêneros. De modo que há uma tecedura entre os meios de produção (fabril e artesanal) e uma performatividade que reivindica a presença, a existência e a valorização do gênero feminino.

E se por um lado há uma genealogia minimalista na produção de ambas artistas, por outro há um interesse fenomenológico pelos fluxos que atravessam os corpos das mulheres cis e dos homens trans. Sem ser panfletário ou óbvio, os trabalhos em exposição evocam diálogos entre questões próprias da arte com a performatividade de gênero, sendo atravessados por um fluxo energético e simbólico que vai da lua à teta, da força celestial à força do leite e do óvulo.

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