Resenha

Thomaz Rosa

curadoria Cammila Ferreira e Guilherme Teixeira

Rio de Janeiro, 18 de setembro – 20 de outubro de 2021

A exposição Resenha de Thomaz Rosa apresenta 13 trabalhos, com curadoria de Cammila Ferreira e Guilherme Teixeira, é a primeira individual do artista na galeria Quadra, no Rio de Janeiro.

Quando começamos a Resenha, tivemos como ponto de partida o conceito de medley – título de uma das obras aqui expostas –, que significa a composição de uma música a partir da miscelânea de canções e melo- dias, criando uma nova música ou um conjunto de fragmentos musicais, o pot-pourri, mash-up ou sample.

A confluência de referências é frequente nas inspirações e no processo criativo do Thomaz, e ao passo que adentramos na sua investigação pictórica vemos que o medley encontra significado justamente no uso de uma miscelânea de recursos, que se repetem, se recombinam, e assim, se transformam. São partituras musicais, claves, linhas, curvas, elementos geométricos, sobreposições, camadas e camadas de tinta que quando retiradas revelam cores primárias. Olhos atentos podem observar que essas relações de probabilidades, na verdade, convertem às pinturas uma fatura característica, revelando a envergadura técnica e o apreço aos detalhes.

Resenha é um encontro entre amigos, um convite para brincar com possibilidades de interpretação, criar leituras e trocar uma ideia.

“…It’s how rock and roll works. You take the broken pieces of another thrill and make a brand new toy”
Elvis Costello

Medley 1989
Hoje eu vim para poder falar das coisas que ficaram guardadas desde São Caetano do Sul
Tijucuçu
fundada por beneditinos e pela força de trabalho de índios e negros retrato do Brasil
Ser pintor, foi desde pequenininho
acreditar que o sonho é possível
queocéuéolimite
é a única verdade que mantém a fé
No panteão nagô ele anda protegido
a gente anda junto e misturado, lado a lado
na vida loka quando a noite vira dia
manda avisar que aqui nóis tira água de pedra Nessa resenha ninguém espera o futuro mudar a vida
o futuro é consequência do presente
o que é seu só você pode alcançar
Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui
em São Sebastião
no mesmo lugar onde as camélias foram cultivadas
Somos assim, capoeiras das ruas
abrindo o caminho do olhar
pra arte que se mistura com a vida.

Cammila Ferreira

*Este texto foi construído com fragmentos de canções: MC Marcinho – Garota nota 100; MC Rodson – Papo de Melhoria; Racionais Mc’s – A Vida é Desafio; MV Bill – Junto e Misturado; MC Marks – Deus é por Nós; MC Tikão – Medley do pai; Terceiro Mundo – Cesrv ft Feezus & Febem; Cidinho & Doca – Rap da Felicidade; Gilberto Gil – As Camélias do Quilombo do Leblon; Kiko Dinucci – Padê Onã

Ou onde dobra

E um clarão desce como encosto da densidade e presença pressiona matéria, abre caminho ou estalo, cria espaço, revela cor e índice escorre todo pigmento – aqui chamado campo e, do tom que se revela sob as falanges, o plano vacila. Algo aponta em muitas direções, os olhos se perdem, percorrem, soltos quicam nos limites da superfície, espiralam, respiram e esquecem de expirar, rodopiam, e falam enfim do lugar para onde apontamos nosso desejo. Hoje, em algum lugar desta cidade, haverá a necessidade de que algo seja apontado, tocado, perfurado por um dedo, dobrado sobre si mesmo.

E um clarão desce mostrando onde mais há possibilidade de cor e contato, sujeito a interações pontuais com a matéria, incidindo silêncio ao barulho do gesto e contornando local que seja do limite que há entre a forma e o fundo. Algo aponta em muitas direções, os dedos dobram na emulação de um caminho, os joelhos doem sob o peso do tempo, as bocas semicerram. Hoje, em algum lugar desta cidade, haverá o desejo inerente de fazer com o que vaza do plano aos olhos seja descrito, mirado, rasgado por um dedo, dobrado sobre si mesmo.

E um clarão desce escorrendo pelas nossas nucas, percorrendo nossas espinhas, 40 graus que caem do céu sobre nossas peles, semicerrando nossos olhos, possibilitando o movimento de comparação de cor que o jogo óptico da mínima diferença arremessa sobre nós. Algo aponta em muitas direções, e nossas lupas já não são capazes de segurar o que emana do simples encontro que dois espectros de frequência postulam ao criar uma terceira com o seu contato. Hoje, em algum lugar desta cidade, haverá o motivo para acreditar que o toque dos tons que adentra nossas córneas seja expandido, cerrado por um dedo, dobrado sobre si mesmo.

E um clarão desce e um léxico particular se revela, partindo daquilo que toca nossos ouvidos enquanto onda e é transformado em imagem dotada de som e sentido no alto das nossas cabeças, acompanhado – ou não – de melodia. Algo aponta em muitas direções, se repetem aos ouvidos até o limiar entre o sentido e o barulho, percorrem as bocas de mil da nossa espécie pelas orlas e calçadas, espiralam, se fazem motivo de pintura e recaem sobre nossos colos em embalos noturnos. Hoje, em algum lugar desta cidade, haverá a necessidade de que algo se mova, as escutas se apurem, nossos corpos sejam efeito e causa dois para lá dois pra cá, algo quebre sob o peso de uma falange e, dobrada sobre nós, a demanda pelo tempo seja sobre a necessidade da pausa que a luz exige ao entregar cor às nossas vistas.

Guilherme Teixeira

obras