Umbigo do desejo

Matheus Chiaratti

curadoria Julie Dumont

Rio de Janeiro, 24 de abril – 24 de maio de 2019

Amores falidos, volúveis e frágeis, desejos expressivos e velados; memórias de corpos, momentos e viagens, do Brasil caipira, religioso, dos seus enfeites e procissões coexistem ao lado de referências da literatura, da história da arte e da arte contemporânea e se fundem no campo pictórico de Matheus Chiaratti.

Umbigo do Desejo, primeira exposição individual do artista no Brasil, traz na forma de construções subjetivas livres, vivências e lembranças tornadas imagens cifradas, reinventando, entre abstração e figuração, histórias dentro da história.

A articulação de elementos na forma de rebus evoca uma construção técnica, quase cinematográfica da imagem. A proposta possibilita a captura e a revelação de uma essência maior daquilo que o olhar consegue capturar, dialogando assim com os conceitos desenvolvidos por Walter Benjamin a respeito da fotografia e do cinema que talvez não à toa constituíram a formação e o foco do artista antes de se dedicar à pintura.

De forma paralela, a palavra permeia o corpus de obras: letras aparecem ou se esvaziam enquanto os títulos dos trabalhos sugerem e associam referências artísticas e pessoais, acrescentando pautas como afeto, sexualidade, tradição e natureza. A importância da palavra está ainda enfatizada por uma caixa de acrílico na qual quase 900 páginas de conversa de whatsapp entre dois amantes estabelecem um elo formal entre o objeto de arte e a escrita, abrindo a narrativa que de outro modo se esconde. As páginas da obra, simples impressões, podem ser manuseadas pelo espectador a revelar um momento de extrema intimidade.

Nos bordados, o embate entre as origens caipiras e a vida de Chiaratti numa metrópole como São Paulo se expressa. O próprio objeto evoca de fato a parafernália católica e contém ao mesmo tempo alusões a obras de artistas como Rivane Neuenschwander e Leonilson, ao caos do desejo e seus opostos.

Os desenhos esboçam os elementos desenvolvidos nas pinturas, onde misturam-se num jogo de espelhos, as imagens que constituem o vocabulário pictórico de Matheus: barroco das igrejas, paisagens do interior Paulista, fragmentos de corpos e rostos familiares ou de figuras da literatura, estatuários remanescentes da Itália, águas azuis do desejo ou ainda ambientes evocando a frieza impessoal de lugares de encontros furtivos contrastados às cores quentes de uma África imaginária.

Na pintura de Matheus Chiaratti, as lembranças íntimas estão tratadas como segredos e, portanto, guardadas com cuidado. Assim como no percurso da obra do artista, a exposição está construída na for- ma de um diário e desvela num emaranhado de formas e símbolos a ambiguidade dos sentimentos e situações de mundos intrincados e afetivos. Nesta construção, a imagem e a linguagem se condensam e abrem, apesar do enredo formado, uma fenda onde o indizível aparece. Conversando com o sonho de Freud ou o desejo do Lacan, Umbigo do Desejo revela o fascínio do artista pelas origens das pulsões, do primitivo e do íntimo através da textura, da cor, dos padrões e dos vazios; zonas de invisibilidades ou chaves da narrativa escondida.

Julie Dumont

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